Grão-Mestre Lun Gai (倫佳) faleceu no último sábado, 4/jan. Ele contava com 88 anos de idade e era, até então, o mais antigo discípulo vivo do Patriarca Ip Man, permanecendo por toda a vida em Foshan.
|
Grão-Mestre Lun Gai (1928-2014) em sua residência na China. Foto de nov/2012. |
Lun Gai tornou-se discípulo de Ip Man muito jovem, em 1942, no conturbado momento em que a China fora invadida pelos japoneses, dando início (em 1937) a uma grande guerra. Foshan, cidade meca do Kung Fu no Sul, sofrera um caos social muito grande, mas não o bastante para aniquilar a cultura marcial e os clãs do Ving Tsun vigentes.
O Patriarca Ip Man transmitia na famosa fábrica de algodão de Foshan. Lun Gai, que era empregado da empresa, se empenhava para aprender o Ving Tsun, juntamente com um seleto grupo, onde se destacavam, além dele próprio, mais dois: Gwok Fu (郭富) e Jau Gwong Yiu (周光耀), este último filho do dono da referida fábrica e primeiro aluno de Ip Man desta época.
|
Imagem atual da rua onde a antiga fábrica estava instalada (Foshan - 2012). |
A transmissão na "Luen Cheung Cotton Mill" se dava de forma secreta, devido à proibição japonesa, fato que levou à Ip Man pedir para que seus alunos o tratassem não com o termo tradicional de referência a um mestre - Si Fu -, e sim apenas como Man Suk, ou seja, o Tio Man. Assim foram os primeiros e difíceis anos...
|
Reprodução, concedida por GM Lun Gai, de um porta-retrato em sua residência. |
Em 1949, o Patriarca imigrou para Hong Kong, deixando em sua terra natal alguns discípulos. Os chineses estavam recuperando suas vidas, em meio à revolução maoísta, e isto fez com que os grupos de Ving Tsun e o círculo marcial se dispersassem. Lun Gai seguiu sua vida, preservando o Ving Tsun de Ip Man de forma sigilosa e modestamente. Eram tempos tão tortuosos que ele fora reencontrar seu grande irmão-kung fu Gwok Fu somente em 1958, após incansável busca. Eles então se mantiveram amigos e muito próximos por toda a vida, em Foshan.
|
Discípulos de Ip Man (ao centro Lun Gai e Gwok Fu), em Foshan. |
Vieram os anos 60, e a China sofreu mais uma vez com a Revolução Cultural. O exército vermelho proibiu a transmissão do Kung Fu, em qualquer circunstância. Lun Gai e Gwok Fu, além de outros, mantiveram o legado do Ving Tsun, ensinando secretamente, em casa, para os jovens filhos e alguns poucos de muita confiança.
|
Fachada da pequena e antiga sala de transmissão de GM Lun Gai. |
Com a abertura econômica da China, em 1978, o círculo marcial de Foshan passou a respirar novos ares. Foi nesta época que Lun Gai, já um mestre tradicional, tornou-se instrutor, agora com o apoio governamental, chegando a ter mais de 300 alunos diretos. Uma nova China surgia e amantes do Kung Fu de todo o mundo estavam, ano após ano, descobrindo o universo, até então isolado, do Ving Tsun de Foshan.
|
Lun Gai ao lado dos mestres Pete, Miguel e Victor, dos EUA, no Ip Man Tong, em 2002. |
Em 2002, com a inauguração do
Ip Man Tong (Ip Man Museum), Lun Gai consagrou-se como um Grão-Mestre de reconhecimento mundial, sendo um dos poucos discípulos do Patriarca Ip Man a ganhar destaque especial na sala principal do museu em Foshan. Ele já contava também com discípulos em diversas partes do mundo. Em seu seio natalino, o filho, Lun Chi Hung, dava início a um novo trabalho, introduzindo o Ving Tsun aos jovens chineses, que pouco sabiam do antigo círculo marcial da cidade, no início do século XX.
|
A escola do filho, Lun Chi Hung, em visita do Clã Moy Yat, em 2012. |
Além do filho, Si Fu Lun Chi Hung, Grão-Mestre Lun Gai formou uma importante figura do Mo Lam atual, erguendo uma mulher nesse cenário: sua discípula Ip Ji Jue é uma das grandes lideranças das artes marciais cantonesas.
|
Sra. Helen Moy, líder do Clã Moy Yat, com GM Lun Gai, em 2006. |
Nós, da Família Moy Yat, temos a Si Fu Ip Ji como nossa anfitriã em Foshan. Foi ela que nos aproximou de Grão-Mestre Lun Gai, em pelo menos três ocasiões: em 2006, 2009 e 2012, nas viagens oficiais do Clã Moy Yat à China. Maravilhosas entrevistas, históricas agora, foram registradas nestes encontros. Antes disso, o primeiro contato com o respeitado discípulo de Ip Man se deu ainda em 2002, na supracitada inauguração do museu de Foshan.
|
O Clã Moy Yat na residência de GM Lun Gai, em 2009. |
O grande legado e o imensurável exemplo de simplicidade e superação do Grão-Mestre Lun Gai jamais se apagarão da memória dos praticantes de Ving Tsun, tornando-o um ícone atemporal para as artes marciais.
|
O último encontro da Família Moy Yat com o GM Lun Gai, em 2012. |
Que viva para a eternidade, meu
Si Baak Gung Lun Gai!
Anderson Maia (Moy On Da San), discípulo de Leo Imamura (Moy Yat Sang), do Clã Moy Yat.